Não há elemento que melhor represente a arquitetura brasileira que o cobogó. Desenvolvido em Pernambuco durante a década de 1920 pelos comerciantes Amadeu Oliveira Coimbra (português), Ernest August Boeckmann (alemão) e pelo engenheiro pernambucano Antônio de Góes, foi patenteado como “sistema de blocos de concreto¹” em 1929, tomando emprestado de seus criadores a primeira sílaba de cada sobrenome: CO-BO-GÓ.
Embora muitas vezes seja associado a uma estética fachadista, o cobogó é mais do que simples solução decorativa: é símbolo de uma arquitetura que dialoga com o passado e se adapta às necessidades contemporâneas. Inspirado no muxarabi, elemento arquitetônico de origem árabe, o cobogó carrega consigo profundo significado cultural.
Mais sobre a história do cobogó

Historicamente, o cobogó emergiu em um contexto de modernização da arquitetura brasileira, na busca por soluções que respeitassem o clima tropical. Ao contrário de tantos elementos arquitetônicos que foram importados, o cobogó, como dito anteriormente, é uma invenção genuinamente brasileira, que reflete a identidade cultural do país. Ele permite separar o interior do exterior das edificações, franqueando a entrada de luz natural e de ventilação sem comprometer a privacidade dos espaços.
Desenvolvido inicialmente em concreto, apropriou-se, ao longo do tempo, de outros materiais como cerâmica vermelha, cerâmica branca esmaltada e vidro. Além de suas funções práticas, o cobogó possui estética única que remete à tradição e à memória coletiva. De geometria vazada, toma partido de seu potencial modular para criar padrões interessantes, proporcionando impactante experiência visual onde quer que seja adotado, seja em fachadas, em paredes divisórias ou em preenchimento de vãos.
Um ícone da arquitetura brasileira

Ao longo do tempo, este elemento se tornou um símbolo da arquitetura moderna brasileira, dando continuidade ao uso do muxarabi no resgate das tradições construtivas luso-brasileiras pelo Modernismo, sendo magistralmente empregado em obras como a emblemática Caixa d’água de Olinda, projetada em 1934 pelo arquiteto Luiz Nunes, o Conjunto Residencial do Parque Guinle, desenvolvido por Lúcio Costa na década de 1940, e em grandes marcos da arquitetura de Oscar Niemeyer como no Edifício Copan, de 1956 e o Edifício Eiffel, de 1956, ambos em São Paulo.
“Ao invés de mero elemento compositivo, é um recurso funcional que proporciona ventilação, sombreamento e resguardo interior. (...) Na fachada, o plano dos cobogós e brises que faz a mediação entre exterior e interior gera uma fluidez reservada, íntima, que se equilibra entre a lembrança da colônia e a afirmação da vida moderna”²
A relação do cobogó com a cultura brasileira é complexa e multifacetada. Em sua essência, ele representa um elo entre o passado colonial e as inovações da arquitetura moderna, revelando uma busca por identidade que permeia a obra de muitos arquitetos brasileiros. Ao mesmo tempo, a sua presença nos edifícios contemporâneos projetados por nomes proeminentes como FGMF, MMBB, Marcio Kogan/MK27, Otta Albernaz Arquitetura e outros é um lembrete constante de como a tradição pode ser reinterpretada e ressignificada, sempre em diálogo com o presente.
Referências
¹AFONSO, Alcilia. Resgate da Documentação sobre o uso de cobogós nas fábricas modernas do nordeste brasileiro: dois estudos de casos. 1965-1979.. In: 6° SEMINÁRIO IBERO AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO, 6., 2019, Belo Horizonte. Anais [...] . Belo Horizonte: 2019, pp. 4.
²Citação sobre o Conjunto Residencial do Parque Guinle: BENOIT, Alexandre. Tradição e antitradição em Lucio Costa. 2020. 172 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020, pp. 47 e 56.
Crédito da imagem de capa: Nelson Kon

