O termo muxarabi carrega certo mistério e exotismo e, a despeito de se tratar de um termo técnico arquitetônico bastante específico, é surpreendentemente conhecido do grande público.
Vez ou outra, ganha destaque nas redes sociais, evocado com entonação variada: muxárabi, muxarábi... Mas, segundo o Acordo Ortográfico, muxarabi é pronunciado como as palavras “abacaxi” e “Parati”: sem acento agudo, por se tratar de oxítona terminada em “i” precedida de consoante.
O que é muxarabi?

Trata-se de painéis de treliça para o fechamento de vãos nas fachadas, destinados a “oferecer lugar fresco e discreto, protegido do sol e do devassamento, mas com ventilação e iluminação suficientes, sendo de indiscutível origem mourisca”¹ .
“Muxarab” em árabe significa “chafariz” e “muxrabia”, “moringa”. Ambas as palavras são derivadas do verbo “xariba”, que quer dizer “beber”. Assim, muxarabi era o “sítio das bebidas, o local onde se punham as garrafas a fim de refrescar a água”² , pois, ao promover a troca de ar entre interior e exterior das casas, se tornava o local mais fresco, onde eram guardadas as moringas.
Além de proporcionar ventilação natural, seus painéis de treliça filtravam o excesso de iluminação natural, funcionando “como vedo contra o raio de sol: a ação é semelhante à folhagem das árvores, por cuja enredada treliça se coa a luz, cuja intensidade se acalma, produzindo, ao mesmo tempo, uma sombra fresca e um arejamento natural” ³.
Um pouco sobre história
Para além das funções como elemento compositivo na arquitetura, o muxarabi desempenhou importante papel na dinâmica social do Brasil colonial: se, por um lado, foi definido como elemento que permite “ver sem ser visto”, por outro, foi justamente grande agente de interlocução e sociabilidade: “casas e ruas continuavam-se pelas frestas que constituíam as grades de madeira, cifrando olhares e palavras, sem que o apanágio de distinção social e espacial – de existência indiscutível – fosse formalmente rompido”⁴ , funcionando como espécie de confessionário laico.
Seu uso foi proibido no início do século XIX, após a chegada da coroa portuguesa ao Brasil, desaparecendo por completo na maioria das cidades, salvo por raros exemplares remanescentes – o mais famoso deles em Diamantina. No século XX, no entanto, foi “ressuscitado”, tornando-se um dos símbolos de resgate das tradições construtivas luso-brasileiras pelo estilo Neocolonial e, em seguida, pelo Modernismo, figurando em obras emblemáticas, como o Grande Hotel de Ouro Preto, projetado por Oscar Niemeyer em 1940, e diversas obras de Lúcio Costa, como a Casa Argemiro Hungria Machado, de 1942, e o Parque Hotel São Clemente, de 1944, no estado do Rio de Janeiro.
Atualmente, o muxarabi é celebrado em inúmeras obras de arquitetos e escritórios de arquitetura contemporâneos, como Marcio Kogan/MK27, Gui Mattos, Brasil Arquitetura, FGMF, Studio Guilherme Torres, Bernardes Arquitetura e tantos outros.
Referências
¹VASCONCELOS, Sylvio de. Arquitetura no Brasil: sistemas construtivos. 5. ed. Belo Horizonte: UFMG, 1979, pp. 133/134.
²VASCONCELOS, Sylvio de, op. cit., pp. 133/134.
³SEVERO, Ricardo. A arte tradicional no Brasil: a casa e o templo. São Paulo: Tipographia Levi, 1916. 46 p.
⁴MARINS, Paulo César Garcez. Através da Rótula: sociedade e arquitetura urbana no Brasil séculos XVII a XX. São Paulo: Humanitas FFLCH/USP, 2001, pp. 31.

